A criação de uma moeda imaginária e de um banco mundial para financiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão entre as propostas trazidas por economistas, baseadas nos princípios fundadores das instituições de Bretton Woods.
O dinheiro, como conhecemos, acabou e com ele a necessidade do Estado: essa é a provocação feita pelo professor de financiamento do desenvolvimento na Universidade de Tecnologia de Tallinn, Jan Kregel, em sua participação no painel "Arquitetura Financeira Internacional", durante o evento States of the Future, na sede do BNDES, no Rio de Janeiro.
O estágio atual da tecnologia, especialmente a criptografia e os sistemas de compensação digital, desafiam as estruturas financeiras convencionais e dá condições para a criação de uma moeda "imaginária", reforçando uma tendência crescente de utilizar novas formas de transação para escapar do controle estatal, evidenciando uma resistência à regulamentação tradicional.
"Estamos falando de Estados e futuro. O erro que cometemos quando dizemos isso é que o futuro é agora", argumenta Kregel. "Todo mundo parece ignorar que a criação da criptografia nos permite eliminar o Estado. Enquanto estamos dizendo que precisamos de mais regulação, de mais Estado, de um novo Estado, há uma parcela do mundo votando com o seu dinheiro contra o Estado."
A ideia não é recente. Historicamente, sistemas financeiros de várias culturas, como os chineses e muçulmanos, usaram métodos de compensação que ainda influenciam as práticas modernas. Vários economistas como Adam Smith, Michał Kalecki, Ernst Schumacher e acordos de Bretton Woods formularam sistemas que permitem que transações sejam registradas e compensadas sem a movimentação física de dinheiro.
A proposta de moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs) pode revolucionar o sistema financeiro ao eliminar a necessidade de bancos intermediários. Evidentemente, há resistência significativa de instituições financeiras que se beneficiam do sistema atual. Estudos demonstram que os bancos são responsáveis por 17% do PIB mundial. "Você pega esses 17%, pode ir a Las Vegas, Nova York, Califórnia ou usar para empreendimentos ambientais amigáveis, sem ter que gastar o déficit no sistema. Os bancos privados vão lutar até o fim para garantir que esses sistemas não ocorram", sentencia Kregel.
A profunda ligação com a era neoliberal, cujos valores e normas permanecem vigentes, sendo um empecilho para que transformações como essas aconteçam, foi tratada no painel "Desafios da Política Econômica no Pós-Covid" com a presença de Richard Kozul-Wright, ex-diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Ele citou a necessidade urgente de uma agenda progressista que enfrente os legados desse período, especialmente em termos de investimento e infraestrutura.
Estimativas dão conta que é necessário um investimento na ordem de 3% do PIB, em torno de 3 trilhões de dólares anualmente, para que os países possam atender as demandas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e o Acordo do Clima de Paris. Para Kozul Wright "ainda não há instituições, parece que em nível doméstico e nacional, que possam mobilizar, organizar e coordenar investimentos deste tipo de escala e com o tipo de urgência necessária, particularmente quando se trata do desafio climático."
Wright defendeu a construção de uma nova aliança internacional para enfrentar as desigualdades e assimetrias do sistema econômico atual, inspirando-se, também, nos princípios fundadores das instituições de Bretton Woods, visando um sistema financeiro e comercial mais justo e eficiente.
O States of Future é realizado pelos ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), das Relações Exteriores (MRE), do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A organização é da Maranta e da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI). Apoiam o States of the Future a Open Society Foundations e a República.org.
*Com informações do Ministério da Gestão e Inovação do Brasil e da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura